Como reconhecer uma birra

“O responsum da Doutrina da Fé parece seguir o modelo birrento da educatio interrupta rabugenta. Alegra-me muito que muitos católicos estejam aprendendo a se esquivar das birras”, escreve o padre James Alison, teólogo, em artigo publicado por Religión Digital, 20-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo. A tradução foi originalmente publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos. Também disponível em inglês, francês e espanhol.

Imagine que alguém se enclausura deliberadamente em um quarto pequeno. Depois fala que não pode conversar sobre algo contigo… porque encontra-se enclausurado em um quarto pequeno. E justifica dizendo: “não posso porque digo que não posso; e digo porque já disse que não posso”.

Esse ato de comunicação pode se chamar “birra”. Não tem como objetivo te ensinar nada. Ainda, claramente – e de maneira acidental – está te informando sobre o quanto se considera protagonista e o apego a uma lógica circular. A finalidade é interromper aquilo que estavas fazendo, brincar com tuas emoções e tentar exercer um poder sobre ti. Exige o fim de um processo dialógico e a imposição de um absoluto. O tipo de absolutismo que associamos com crianças enfurecidas.

Por sorte, como sabem os adultos, a birra só tem o poder que a pessoa outorgar.

Digo isso tudo não como insulto à Congregação para a Doutrina da Fé, cujos altos membros seguramente sabem e quem tipo de jogo comunicacional se envolveram com o Caminho Sinodal alemão. Digo isso para oferecer uma proteção às pessoas machucadas e escandalizadas por seu responsum. Pois, quando percebes claramente que algo é uma birra, é menos provável que te cale tão fundo algo dito por seu protagonista. É menos provável que te dês por aludido. É mais provável que reconheças ali um triste mecanismo enganador que se retroalimenta.

Dito isto, é preciso acrescentar que o responsum da CDF parece seguir realmente o modelo “birrento” da educatio interrupta rabugenta. Levanta uma pergunta autoprovocada. E depois oferece uma resposta autorreferencial. Resposta que espera que funcione como ato de poder, não de diálogo.

Depois justifica-se com uma lógica circular. A partir de uma dedução a priori da suposta heterossexualidade intrínseca de todos os seres humanos, a CDF supõe uma tendência objetivamente desordenada e atos intrinsecamente maus de ambas partes em uma relação entre pessoas do mesmo sexo. Dessa maneira chega a única conclusão possível. E depois se cita extensamente a si mesmo para demonstrá-la.

E isso é o triste da situação: nossos irmãos estão enclausurados em um discurso de “objetividade” que tem escassa relação com a realidade da criação, tal e como a estamos conhecendo, e na qual estamos participando. E ficarão enclausurados até que um papa ou um concílio os liberte de dar voltas neste moinho, os autoriza formalmente a empreender outro caminho.

Uma questão chave para deixar para trás o ensino estilo birrento: de que forma – de fato, na prática – a Sabedoria Divina nos revela a inteligibilidade de tudo o que foi criado, convertendo-nos, por meio de nossa participação ativa e inteligente nessa mesma Sabedoria Criadora, nas filhas e filhos de Deus, herdeiros da Criação?

O que aprendemos nos últimos cem anos ou mais sobre os assuntos que agora chamamos de LGBT+ serve como um bom campo de teste para nos aproximarmos de uma resposta. Onde uma moralidade assustadora busca fechar as coisas, a Sabedoria, começando com nossos rejeitados, revela a realidade do que é, enquanto nos permitimos ser perdoados pela estreiteza de nossa bondade e a dureza de nosso coração, peneirando nossos medos e decepções. Assim, descobrimos nosso próximo como nós mesmos e como somos amados.

Somente uma antropologia teológica da aprendizagem que esteja em harmonia com a maneira como realmente aprendemos pode ajudar nisso. Não aquele que exige uma série de deduções a partir de princípios gerais e, em seguida, descarta os elementos da realidade que não se encaixam.

Então… sobre a questão das bênçãos, tanto as dadas aos casais do mesmo sexoquanto as recebidas e compartilhadas por eles: nosso Senhor nos ensina que é pelo fruto que conhecemos a árvore. Ou seja, ele provoca em nós um processo de aprendizagem. E isso nos leva a descobrir a bênção nas coisas, formas de vida abençoada novas e antigas.

O poder e a glória do Criador realmente tendem a nos mostrar por meio do nosso devir, à medida que discernimos quem e para que somos. Esse aprendizado é especialmente abençoado quando nos encontramos recebendo o perdão por termos caracterizado grupos de pessoas de maneira falsa, e ao descobrimos que a vida é mais rica e melhor para todos nós quando essas pessoas são encorajadas a ser quem são.

CDF, confrontada com a mesma árvore e seus frutos, nos garante que, por se tratar do tipo errado de árvore, então seus frutos devem ser ruins. Este não é um processo de aprendizagem. É se apegar a um princípio sagrado restritivo que dispensa a necessidade de aprender com aqueles que o exercem.

Estou muito feliz que muitos católicos estão aprendendo a evitar a birra, aderindo antes ao Nosso Senhor. É altamente improvável que o responsum nos impeça de bendizer a Deus ao descobrir que Deus está nos abençoando.